A Receita Federal do Brasil tem manifestado o entendimento, inclusive vem emitindo autuações fiscais, no sentido de exigir a retenção do imposto de renda na fonte, em relação às sobras distribuídas ou capitalizadas pelas Cooperativas de Crédito aos seus associados.
Considerando o nível de transparência fiscal que atualmente existe com a adoção de práticas modernas de escrituração e envio dessas informações à Receita Federal do Brasil através do Sistema Público de Escrituração Digital, consolidado pelo conjunto de obrigações acessórias, consideramos bastante previsível o aumento de autuações fiscais, que poderá gerar um passivo tributário de valor bastante elevado.
O presente artigo apenas resgata alguns dispositivos da legislação tributária e alerta para possível entendimento equivocado por parte das Cooperativas, pois os argumentos que elas apresentam nos recursos nos parecem insuficientes para sustentar a não incidência do imposto de renda, especialmente quando apelam para argumentação mais filosófica do que técnica.
Importante ressaltar que outros Ramos de Cooperativas, como o caso das Cooperativas Médicas, já analisaram este assunto e se posicionaram de forma inequívoca, favoravelmente à tributação das sobras distribuídas e/ou capitalizadas, inclusive respaldados em parecer jurídico.
A partir dessas premissas, passamos a analisar a matéria.
Inicialmente, relacionamos os fundamentos pelo qual o Fisco pode entender que as sobras distribuídas pelas Cooperativas estariam sujeitas à tributação.
O artigo 43 da Lei nº 5.172/66 (CTN), estabeleceu o seguinte:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
- 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Por outro lado, a Lei nº 7.713/1988, em seu artigo 3º, em seus parágrafos a seguir descritos, praticamente repete as disposições do CTN, em especial quando determina que constitui rendimento tributável “o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”:
Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90)
- 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
- 4º A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.
A Instrução Normativa RFN nº 15, de 06 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre normas de tributação relativas à incidência do imposto de renda das pessoas físicas, também estabeleceu regras de tributação dos rendimentos de capital, do trabalho ou da combinação de ambos, nos seguintes termos:
Art. 2º Constituem rendimentos tributáveis todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões e, ainda, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
- 1º A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.
Muitos são os argumentos a favor da não incidência do Imposto de Renda sobre as sobras distribuídas pelas Sociedades Cooperativas, inclusive o fato de que o Governo Federal apresentou em 2008, o Projeto de Lei n° 3.723/2008 (arts. 11, 19 e 20), que no § 1º do art. 11 e nos arts. 19 e 20 preveem expressamente a incidência de tributação na fonte sobre as sobras e os juros ao capital. Nesse sentido, se já houvesse previsão legal para a tributação das sobras, porque apresentar um Projeto de Lei para instituir a incidência de tributação na fonte sobre tais rendimentos?
A Lei nº 10.676, de 22 de maio de 2003, que trata de exclusões na base de cálculo do PIS e COFINS das Cooperativas em geral, fixou a seguinte regra no § 1º do artigo 1º, especificamente para as Cooperativas de Produção Agropecuária:
- 1º As sobras líquidas da destinação para constituição dos Fundos referidos no caput somente serão computadas na receita bruta da atividade rural do cooperado quando a este creditadas, distribuídas ou capitalizadas pela sociedade cooperativa de produção agropecuárias.
Na realidade, este dispositivo legal não institui a tributação, mas esclarece que as sobras somente serão tributadas quando creditadas, distribuídas ou capitalizadas em favor dos cooperados.
Nesse mesmo contexto, a Receita Federal do Brasil, através da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, posicionou-se claramente pela incidência da contribuição previdenciária sobre as sobras distribuídas ou creditadas pelas Cooperativas a seus associados, conforme artigo 215, inciso II, transcrito a seguir:
Art. 215. As bases de cálculo previstas nos arts. 213 e 214, observados os limites mínimo e máximo do salário-de-contribuição, definidos nos §§ 1º e 2º do art. 54, correspondem:
II – aos valores totais pagos, distribuídos ou creditados aos cooperados, ainda que a título de sobras ou de antecipação de sobras, exceto quando, comprovadamente, esse rendimento seja decorrente de ganhos da cooperativa resultantes de aplicação financeira, comercialização de produção própria ou outro resultado cuja origem não seja a receita gerada pelo trabalho do cooperado;
A transcrição desta norma serve para deixar claro o entendimento da Receita Federal, no sentido de que as sobras não são tributadas na Cooperativa (Pessoa Jurídica), porque pertencem aos associados e, sendo assim, devem ser tributadas como renda destes.
Hiromi Higuchi[1] lembra que “o produto entregue pelo cooperado considera-se vendido quando da emissão da nota fiscal de saída do estabelecimento da cooperativa para terceiro adquirente (PN nº 77/76 e 66/86). A Lei nº 10.676/03 não considera como receita do momento da venda o valor da retenção feita pela cooperativa. No momento da distribuição ou capitalização da sobra o valor correspondente torna-se renda do cooperado. Com isso, fica alterado o entendimento firmado pelo PN nº 522/70.”
Diante do conceito do ato cooperativo, nos termos do artigo 79 da Lei nº 5.764/71, argumenta-se que as Cooperativas não auferem receitas e sim ingressos, pois agem meramente como mandatárias e realizam as suas operações em nome dos cooperados.
Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.
A mesma Lei nº 5.764/71, em seu artigo 111, estabeleceu que serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas Cooperativas, em relação aos atos não cooperativos de que tratam os artigos 85, 86 e 88 dessa lei:
Art. 111. Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 desta Lei.
Assim, como a Lei Cooperativista determina a tributação dos resultados positivos decorrentes dos atos não cooperativos, ela também proíbe a distribuição de tais resultados, conforme está preconizado no artigo 87 dessa lei:
Art. 87. Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social” e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos.
Também é sabido que os lucros distribuídos pelas Empresas de Capital, estão isentos de tributação, na forma do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, a saber:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
A lógica da não incidência tributária sobre os lucros distribuídos está no fato de que tais lucros já foram tributados pela pessoa jurídica.
No caso das Sociedades Cooperativas, se os resultados decorrentes de atos cooperativos não se sujeitam à tributação, pois pertencem aos cooperados e não à Pessoa Jurídica, faz sentido que a tributação recaia na figura dos sócios, caso contrário, teríamos um rendimento de capital ou de trabalho, livre de tributação.
Considerando que este parecer se propõe a provocar uma grande reflexão sobre a matéria, apresentamos a seguir algumas considerações que em nosso entendimento deve ser motivo de preocupação:
Parâmetro para o cálculo das sobras:
Diz a lei nº 5.764/71 e o estatuto das Cooperativas, que as sobras devem ser distribuídas na proporcionalidade das operações realizadas pelos associados e assim tem sido feito na prática.
No caso das Cooperativas de Crédito, invariavelmente o cálculo de rateio das sobras é realizado com base nos seguintes parâmetros:
- Proporcional às aplicações financeiras realizadas pelos associados;
- Proporcional aos depósitos em conta corrente;
- Proporcional aos Empréstimos concedidos aos associados.
No caso das sobras distribuídas tendo por base as aplicações financeiras realizadas pelos cooperados é evidente que se trata de complemento de remuneração, pois a finalidade da Cooperativa é de repassar o melhor rendimento obtido com a aplicação dos recursos no mercado. Assim, se durante o exercício foi aplicada uma taxa de juros inferior ao que seria possível remunerar, e com isto se apurou sobras no balanço, a distribuição dos ingressos excedentes representa remuneração sujeita à tributação.
No caso da distribuição das sobras na proporção dos depósitos mantidos em conta corrente pelos cooperados, também parece evidente a existência de fato gerador do imposto, caso contrário, os associados manteriam os recursos em conta corrente, para serem beneficiados com a distribuição de sobras, e ficariam isentos da tributação.
Em relação às sobras distribuídas na proporção dos empréstimos, pode-se afirmar que tais sobras representam mera devolução de parte dos juros pagos pelos cooperados no decorrer do exercício, entretanto, cabe ressalvar que se o sócio for uma pessoa jurídica tributada pelo Lucro Real, essa pessoa jurídica teria usufruído do benefício da dedução dos juros pagos como despesa operacional dedutível, reduzindo a tributação da pessoa jurídica. Assim, o recebimento das sobras representaria a recuperação da despesa, portanto, um acréscimo patrimonial sujeito à tributação.
Neste mesmo caso, se o beneficiário for uma pessoa física, não vemos hipótese de incidência tributária, pois as sobras representaria mera devolução de parte dos juros pagos no decorrer do exercício, exceto se o cooperado for um produtor rural e tenha aproveitado as despesas financeiras como gasto dedutível na escrituração do livro caixa, reduzindo a base de incidência do Imposto na sua declaração de renda.
Neste sentido, é razoável concluir que nas empresas de capital os lucros são tributados na PJ e distribuídos como rendimento isento na PF, enquanto que nas cooperativas os resultados são isentos de tributação na PJ e por isso tributados quando distribuídos aos cooperados.
O nosso entendimento, no caso específico das Cooperativas de Crédito, é no sentido de que as sobras apuradas com base nas aplicações e saldos em conta corrente, constituem fato gerador do Imposto de Renda, portanto, aconselhamos medida judicial preventiva, garantida com depósito judicial. No caso das sobras calculadas com base nos empréstimos, de fato existem argumentos mais contundentes pela não incidência.
Diante do exposto, nota-se que não existem argumentos claros e suficientes para sustentar a não tributação das sobras quando distribuídas ou capitalizadas. Pelo contrário, a lógica tributária e a legislação fiscal descrita neste parecer indicam que as sobras das sociedades cooperativas, não tributadas na pessoa jurídica, constituem renda tributável para os sócios beneficiados pelos rendimentos, na forma explicitada neste parecer.
DORLY DICKEL – Responsável Técnico
Contador CRC/RS 031335/O-7
[1] Imposto de Renda das Empresas – 38ª edição, 2013 página 201.


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