Transição Tributária no Brasil: O Risco de Bitributação com a Chegada do IBS e da CBS.
A Reforma Tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023, tem como principal objetivo a simplificação do sistema tributário nacional por meio da reestruturação da tributação, com a adoção de um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. No entanto, durante o período de transição, que se estenderá até 2032, surgem desafios relevantes, especialmente no que se refere a possível bitributação e à ocorrência do bis in idem. Isso ocorre porque o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) integrarão a base de cálculo dos tributos vigentes, como ICMS, ISS e IPI, conforme previsão constitucional.
Essa sobreposição temporária de regimes tributários pode resultar em um aumento da carga tributária para empresas e consumidores, gerando efeitos econômicos indesejáveis e distorções na incidência dos tributos. Afinal, será que a transição para o novo modelo será tão benéfica quanto prometido, ou estaremos diante de um período de maior complexidade e custo para os contribuintes?
Com o intuito de mitigar os riscos de uma tributação em cascata, no período de transição, foi protocolado, em 6 de fevereiro de 2025, o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025 (PLP 16/2025), de autoria do Deputado Gilson Marques (NOVO/SC). A proposta visa modificar dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996 e da Lei Complementar nº 214/2025, com o propósito de assegurar a observância do artigo 149-B e do princípio da neutralidade tributária, consagrado no § 1º do artigo 156-A da Constituição Federal. O cerne da iniciativa reside na exclusão do IBS e da CBS da base de cálculo do ICMS, ISS e IPI, prevenindo, assim, a incidência em cascata e garantindo uma transição fiscal equitativa e alinhada aos objetivos da Reforma Tributária.
É curioso notar que a exclusão do IBS e da CBS das bases de cálculo do ICMS e do ISS já constava no texto original da PEC 45/2019. No entanto, em um roteiro digno de reviravoltas legislativas, essa disposição foi estrategicamente retirada no momento do encaminhamento para sanção presidencial. Uma coincidência? Pouco provável.
Apesar de tanto a Câmara quanto o Senado terem inicialmente concordado em excluir o IBS e a CBS da base de cálculo do ICMS e do ISS, o dispositivo foi convenientemente suprimido pela Câmara dos Deputados em 15 de dezembro de 2023, após o retorno da PEC do Senado. Ou seja, o que era uma decisão aparentemente consolidada sofreu uma revisão de última hora.
Longe de ser uma simples distração ou um lapso legislativo, a remoção desse trecho indica uma escolha deliberada do legislador de permitir a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo dos tributos preexistentes. O resultado? Uma fórmula engenhosa para criar um efeito de tributo sobre tributo, abrindo margem para um potencial aumento da carga tributária. Mas, claro, sempre sob a justificativa de modernização do sistema tributário.
Para fins de análise dos impactos da inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS, serão apresentados dois cenários distintos no contexto da transição da Reforma Tributária. No primeiro cenário, o cálculo do ICMS será realizado exclusivamente sobre o valor da operação, sem a incidência dos novos tributos. No segundo, o IBS e a CBS serão incorporados à base de cálculo do ICMS:
Considerando um cenário para o ano calendário 2027 onde haverá tributação de IBS, CBS e ICMS, e supondo uma alíquota de 12% para o ICMS, 0,1% para o IBS e 8,8% para a CBS, com uma operação, líquido de impostos no valor de R$ 1.000,00.
1º Cenário: IBS e CBS NÃO compõem a base de cálculo do ICMS
– Base de cálculo do IBS e CBS: R$ 1.000,00
- IBS = 0,1% de R$ 1.000,00 = R$ 1,00
- CBS = 8,8% de R$ 1.000,00 = R$ 88,00
– Base de cálculo do ICMS: R$ 1.136,36
- ICMS = 12% de R$ 1.136,36 = R$ 136,36
Total de tributos Apurados:
- IBS: R$ 1,00
- CBS: R$ 88,00
- ICMS: R$ 136,36
- Carga Tributária: R$ 225,36
2º Cenário: IBS e CBS compõem a base de cálculo do ICMS
– Base de cálculo do IBS e CBS: R$ 1.000,00
- IBS = 0,1% de R$ 1.000,00 = R$ 1,00
- CBS = 8,8% de R$ 1.000,00 = R$ 88,00
– Base de cálculo do ICMS: R$ 1.237,50
- ICMS = 12% de R$ 1.237,50 = R$ 148,50
Total de tributos Apurados:
- IBS: R$ 1,00
- CBS: R$ 88,00
- ICMS: R$ 148,50
- Carga Tributária: R$ 237,50
Os cálculos apresentados demonstram, de forma inequívoca, o impacto significativo da inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS, resultando em um acréscimo na arrecadação estadual, e, por consequência, em um aumento da carga tributária suportada pelos contribuintes.
Sem a aprovação do PLP 16/2025, esse mecanismo de cálculo, cria uma base de incidência ampliada, e gera um efeito de tributação em cascata, elevando o custo das operações sem qualquer contrapartida direta em termos de simplificação ou neutralidade tributária – princípios que, ironicamente, foram amplamente defendidos como pilares da Reforma Tributária.
A Reforma Tributária já está em curso e seus desdobramentos irão transformar radicalmente a estrutura fiscal do país. A cada ajuste legislativo, surge o risco iminente de alterações substanciais nas bases de cálculo de tributos, que, sem a devida atenção, poderão resultar em um aumento expressivo da carga tributária para os contribuintes. A falta de acompanhamento detalhado desse processo coloca as empresas em uma posição vulnerável, expondo-as a custos inesperados, autuações fiscais e passivos tributários pesados. Estamos, de fato, diante de uma possível nova “tese do século”, que pode gerar um novo marco jurídico e fiscal, com impactos profundos e duradouros para todos os contribuintes.
Ricardo Miranda


 
                    
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