Como crédito e preço redefinem a competitividade com a chegada do IBS e da CBS
A Reforma Tributária não é um desafio distante para o Simples Nacional; ela é a nova realidade. A crença de que o regime permaneceria intocável esconde o essencial: o regime continua, porém o ambiente em que ele opera muda de forma profunda. Para o Simples Nacional, a pergunta mais importante não é se a reforma afeta o regime, mas como ele se manterá competitivo.
A Emenda Constitucional nº 132/2023 incorporou IBS e CBS ao Simples e, a partir de 2027, o optante poderá escolher recolher esses tributos por dentro do DAS ou por fora, no regime regular. Essa escolha, que parece operacional, tem efeitos estratégicos. Por dentro, mantém-se a simplicidade e não há direito a crédito nas entradas; além disso, o cliente só aproveita, como crédito, o montante de IBS/CBS efetivamente embutido no DAS do fornecedor. Por fora, aplicam-se as regras gerais de débitos e créditos, com transferência integral de crédito ao adquirente, ao custo de maior complexidade, controles e preparo da equipe.
O cerne da questão, está menos nas alíquotas nominais e mais na capacidade das micro e pequenas empresas de lidar com tecnologia, processos e qualificação para navegar nesse novo desenho. O mito da “imunidade” do Simples cede lugar a escolhas que afetam preço, margem e posição competitiva, sobretudo em relações B2B nas quais o comprador mede custo líquido (preço menos crédito).
Desde 1º de janeiro de 2025, ajustes já pressionam o regime: receitas extraordinárias correlatas passaram a compor a base de cálculo; houve novas vedações societárias e operacionais; e a consolidação de receitas por sócio ganhou relevância para a elegibilidade ao Simples. O cronograma é escalonado: em 2026, abrem-se janelas para a opção (com efeitos semestrais); em 2027, IBS e CBS entram no jogo para o Simples; e, em 2033, o fim do ISS fixo tende a elevar a carga de muitos prestadores de serviços. Em paralelo, a exigência de informações de IBS/CBS em documentos fiscais avança; mesmo com dispensas pontuais no início, operações como devoluções de compras de contribuintes do regime regular exigirão destaque coerente com a nota original — um indício do nível de rigor informacional que virá.
Para tornar o exemplo palpável, imagine dois cenários:
Cenário 1 – A aquisição da mercadoria
Duas empresas — uma optante pelo Simples Nacional e outro pelo Regime Geral — compram a mesma mercadoria, pelo mesmo valor, de um fornecedor do regime geral.

Para fins de exemplificação foram utilizadas as alíquotas hipotéticas de 26,5% e 4,656% para o Regime Geral e para o Simples Nacional, respectivamente.
Apesar de pagarem o mesmo preço na compra, o custo líquido do optante pelo Simples Nacional (considerando apenas valor da nota fiscal menos IBS/CBS) é R$ 1.457,50 superior ao do optante pelo Regime Geral, justamente pela ausência de crédito nas entradas.
Cenário 2 – A revenda da mercadoria
Agora, imagine as respectivas empresas revendendo a mercadoria adquirida, pelo mesmo valor líquido R$7.905,14.

Para fins de exemplificação foram utilizadas as alíquotas hipotéticas de 26,5% e 4,656% para o Regime Geral e para o Simples Nacional, respectivamente
Nesse ponto, o dilema do Simples Nacional fica evidente: para que o cliente tenha o mesmo custo líquido de R$ 7.905,14, o fornecedor do Simples precisa operar com margens muito mais estreitas, já que não aproveitou o crédito na entrada da mercadoria (para fins de lucro líquido foi considerado o valor da aquisição da mercadoria pelo fornecedor menos a receita líquida de venda).
Essa diferença, que pode parecer apenas contábil, ganha uma dimensão maior no mercado B2B. Nessas relações, o comprador tende a avaliar apenas o custo líquido da operação, que pode ser igualado entre fornecedores do Simples e do regime geral. A questão é que, para alcançar esse mesmo custo líquido, o prestador do Simples precisa reduzir sua margem de lucro, já que não aproveita os créditos de suas entradas. Na prática, a competitividade se fragiliza não porque o cliente paga mais, mas porque o fornecedor do Simples sacrifica parte da sua rentabilidade para permanecer no jogo.
Esse contraste revela duas perspectivas importantes: a do fornecedor, que arca com um custo operacional mais elevado e a do cliente, que pode enxergar vantagens no fluxo de caixa ao contratar do Simples.
O Custo do Prestador: O fornecedor do Simples opera com custos mais altos e, para se manter competitivo, precisa sacrificar parte da margem de lucro.
A Vantagem do Cliente: Para o comprador, há um benefício de fluxo de caixa. Se o prestador do Simples consegue igualar o custo líquido, o cliente desembolsa R$ 1.726,8 a menos de imediato — pagando R$ 8.273,20 em vez de R$ 10.000,00. Mesmo que o custo final seja idêntico, o menor desembolso imediato torna a aquisição pelo Simples mais atraente para o caixa do comprador.
Se o fornecedor do Simples Nacional buscasse igualar o lucro líquido ao do fornecedor no Regime Geral, o custo líquido para o adquirente seria 18,44% superior. Veja:
Assim, a questão não é apenas o preço da nota, mas a capacidade de manter competitividade em um mercado onde a transferência de crédito se tornou determinante. O dilema do Simples é: como sustentar margens mais apertadas diante de concorrentes com estrutura de custos mais eficiente? Ou como permanecer competitivo em um mercado em que o fator decisivo é o custo líquido percebido pelo adquirente?
Em relação às empresas adquirentes de optantes pelo Simples Nacional, haverá necessidade de identificar se esses serão contribuintes do IBS/CBS no regime regular ou no regime do Simples, exigindo controles e treinamento da equipe responsável pelas compras. Em relação aos valores envolvidos na negociação, conforme mencionado, será necessário comparar o custo de aquisição de fornecedor optante pelo Simples Nacional contribuinte do regime regular de IBS/CBS e optante pelo Simples não contribuinte do regime regular. O crédito, seja ele integral ou proporcional ao valor pago no Simples, provocará um efeito no caixa, mas a questão principal é realizar a aquisição pelo menor custo de aquisição.
No fundo, o Simples Nacional não “escapou” da Reforma; ele foi reposicionado num tabuleiro que exige escolhas e preparo. O erro de leitura não está nas tabelas, mas em subestimar o efeito combinado de crédito, preço e informação fiscal. Quem antecipar simulações, ajustar sistemas, treinar equipes e alinhar contratos atravessará a transição com menos atrito. Quem se apoiar apenas no conforto da continuidade formal pode descobrir, tarde demais, que a continuidade era apenas aparência — e que o impacto, esse sim, era real.
Por: Renata Partele
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