Revolução Tributária: Créditos Vinculados ao Pagamento e a Era do Split Payment
A Reforma Tributária trouxe mudanças estruturais na sistemática de apuração e aproveitamento de créditos tributários. Uma das principais inovações é a vinculação dos créditos ao pagamento efetivo do tributo, alterando a forma como os contribuintes se apropriam desses valores. Atualmente, em regra geral, a apropriação ocorre com base e no momento de registro de entrada da nota fiscal. Com a nova legislação, esse processo passará a depender da efetiva quitação do débito correspondente, o que visa garantir maior controle sobre a arrecadação e impedir o uso indevido de créditos antes da sua realização financeira.
A Lei Complementar nº 214/2025 estabelece diferentes formas de liquidação dos débitos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), incluindo compensação, pagamento pelo contribuinte, recolhimento pelo adquirente e o inovador mecanismo de Split Payment. Além disso, a criação de uma plataforma unificada permitirá que os contribuintes consultem, em tempo real, a regularidade dos tributos destacados nas notas fiscais, que visa assegurar a correta apropriação dos créditos.
O artigo 48 da referida Lei Complementar traz uma importante exceção à regra geral, determinando que o contribuinte poderá apropriar-se dos créditos mesmo sem a comprovação da quitação do tributo, se não tiver sido implementado o Split Payment ou recolhimento pelo adquirente. Nessas hipóteses, a correta apropriação dos créditos dependerá do destaque preciso dos valores de IBS e CBS no documento fiscal eletrônico.
A Receita Federal do Brasil (RFB) e o Comitê Gestor do IBS poderão disponibilizar uma declaração assistida aos contribuintes. Essa declaração conterá toda a movimentação do mês e trará automaticamente, por meio da integração com a plataforma unificada, informações sobre quais notas tiveram seus débitos efetivamente quitados, estando assim aptas para a apropriação dos créditos. O contribuinte poderá confirmar a exatidão dessas informações diretamente na plataforma e, se necessário, realizar retificações e ajustes. Processo similar ao da declaração pré-preenchida do Imposto de Renda Pessoa Física.
A efetividade do mecanismo de crédito vinculado ao pagamento dependerá diretamente da implantação de uma plataforma unificada e de cadastro obrigatório, já prevista na Lei Complementar nº 214/2025.
Essa plataforma terá um papel central na verificação da liquidação dos tributos destacados nas notas fiscais, permitindo que os contribuintes confirmem se o pagamento do tributo foi realizado antes da apropriação do crédito. No momento da emissão da nota fiscal, as informações da operação serão automaticamente transmitidas para a plataforma, que fornecerá dados em tempo real sobre a quitação dos tributos. A tendência é que essa integração garanta que o mecanismo de crédito vinculado ao pagamento funcione plenamente, permitindo maior rastreabilidade e controle dos tributos. Esse controle tende a ser ainda mais reforçado com a futura implementação do Split Payment, um modelo no qual os tributos são recolhidos diretamente no momento do pagamento da nota fiscal, evitando sonegação, inadimplência diante do fisco e facilitando a arrecadação.
O Split Payment utilizado como forma de liquidação tributária é uma das principais inovações propostas pela Reforma. Nesse modelo, os tributos são recolhidos diretamente no momento do pagamento da nota fiscal, a qual passará a contar com uma chave única, uma espécie de “Hash”, que a vinculará ao seu efetivo pagamento. Assim, ao emitir a nota, os dados serão automaticamente transmitidos para a plataforma unificada, e para os meios de pagamento a partir da leitura do “Hash” no momento da liquidação financeira da operação.
Split Payment superinteligente
Quando o adquirente realizar o pagamento da nota fiscal, seja via Pix, cartão, boleto ou qualquer outro meio de pagamento eletrônico, a instituição de pagamento consultará a plataforma unificada, através do “Hash” da nota, para verificar se os tributos já foram liquidados por algum dos meios previstos no artigo 27 da Lei Complementar nº 214/2025. Caso o pagamento já tenha ocorrido, a instituição repassará ao fornecedor o valor integral da nota. Se os tributos ainda não tiverem sido quitados, o sistema automaticamente destinará ao Fisco a parcela correspondente aos tributos e repassará ao fornecedor apenas o valor líquido da operação. Esse mecanismo tem sido chamado de “split superinteligente”, pois a consulta é realizada automaticamente no momento do pagamento.
Split Payment Inteligente
No caso do split inteligente (ou split offline), quando não é possível realizar automaticamente essa verificação, a instituição de pagamento simplesmente enviará ao Fisco o valor dos tributos destacados na nota. Nesse modelo, cabe à administração tributária realizar a conferência da liquidação do débito. Caso seja identificado que o tributo já foi pago anteriormente, o valor recolhido pela instituição de pagamento será devolvido ao fornecedor no prazo de até três dias úteis.
Split Payment Simplificado
Além desses, a Lei Complementar º214/2025 prevê a opção pelo Split Payment Simplificado para operações cujo adquirente não seja contribuinte do IBS e da CBS no regime regular. Nesse procedimento os valores do IBS e da CBS a serem segregados e recolhidos pelo prestador de serviço de pagamento ou pela instituição operadora do sistema de pagamentos serão calculados com base em percentual preestabelecido do valor das operações. Esse percentual poderá ser diferenciado por setor econômico ou por contribuinte, e não guarda relação com o valor dos débitos de IBS e CBS efetivamente incidentes sobre a operação. Além disso, como o recolhimento ocorre de forma automática com base em um percentual fixo, o impacto sobre o fluxo de caixa pode ser menor, se comparado aos outros modelos de Split Payment.
Nesse modelo, não serão realizadas consultas sobre possíveis pagamentos já realizados e tampouco se o contribuinte possui saldo de crédito para compensação. Caso a apuração mensal não gere débito a pagar, a administração tributária devolverá ao contribuinte, em até 3 dias úteis, os valores “splitados” em excesso.
Implementação do Split Payment: Desafios e Impactos
O modelo de Split Payment traz tanto benefícios quanto desafios. Entre os principais aspectos positivos, destaca-se a segurança tributária e jurídica, a redução da inadimplência fiscal e a arrecadação tempestiva dos tributos. Além disso, ele simplifica a conformidade tributária e reduz a complexidade para os adquirentes. No entanto, sua implementação exigirá investimentos significativos em infraestrutura tecnológica e adaptações nos sistemas de pagamento, o que pode gerar custos adicionais para empresas e intermediários financeiros. Ainda não está claro quem arcará com esses custos, e há a possibilidade de que instituições financeiras e operadoras de pagamento repassem essas despesas aos contribuintes e consumidores por meio de taxas adicionais, aumentando os custos operacionais.
Além disso, será necessário garantir que a aplicação do Split Payment não comprometa a experiência do consumidor, assegurando que os pagamentos sejam processados de forma ágil e sem obstáculos. Em algumas regiões, a limitação ao acesso à internet pode representar um entrave operacional, tornando essencial o desenvolvimento de alternativas que garantam a funcionalidade do sistema mesmo em locais com infraestrutura digital precária.
Por fim, o impacto no fluxo de caixa das empresas não pode ser subestimado. Atualmente, muitas organizações utilizam o montante arrecadado em tributos até o momento do pagamento ao governo, o que proporciona maior flexibilidade financeira. Com o Split Payment, esse recurso é imediatamente deduzido da receita bruta, reduzindo a liquidez e exigindo um planejamento financeiro mais rigoroso. Empresas que dependem desse capital para operações diárias podem enfrentar dificuldades.
O Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal serão responsáveis por definir a implementação do Split Payment, que poderá ocorrer de forma gradual. Além disso, poderão estabelecer situações em que sua adoção será facultativa, conforme previsto na Lei Complementar nº 214/2025.
Em resumo, a nova sistemática de créditos vinculados ao pagamento, aliada à plataforma unificada e ao mecanismo de retenção automática de tributos, representa um avanço significativo rumo a um ambiente tributário mais transparente e eficiente. A plataforma unificada será essencial para garantir a correta apropriação dos créditos, fornecendo informações em tempo real e facilitando a conformidade tributária. O Split Payment, por sua vez, tende a fortalecer a segurança da arrecadação, mas sua implementação exigirá adaptações tecnológicas e operacionais. Dessa forma, a reforma tributária avança para um modelo mais equilibrado e confiável, trazendo maior previsibilidade e segurança jurídica para os contribuintes e o Fisco.
Por
Renata Partele


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