Reforma Tributária – Perspectivas sobre os Impactos no Setor Lácteo
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024, aprovado na câmara dos deputados e em votação no Senado Federal representa a primeira parte da reforma tributária sobre o consumo que propõe mudanças abrangentes no sistema de arrecadação nacional.
Visando simplificar a tributação e reduzir a complexidade fiscal, a proposta deriva da Emenda Constitucional nº 132/2023, que altera substancialmente o Sistema Tributário Brasileiro, sobretudo com a substituição de tributos como PIS, COFINS, ICMS e ISS por dois novos tributos principais: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Embora essa reestruturação tenha como objetivo melhorar a transparência e diminuir a burocracia tributária, setores específicos, como o lácteo, enfrentarão desafios — especialmente as cooperativas de produção agropecuária, que desempenham um papel essencial na produção de leite e derivados.
Para as cooperativas do setor lácteo, compostas por pequenos e médios produtores, a nova estrutura tributária requer uma análise cuidadosa. Uma vez que alguns produtos, derivados lácteos, terão majoração na tributação e cooperativas poderão optar pela adoção de regime específico, destacando a necessidade de avaliar os impactos dessas alterações e/ou opção, especialmente quanto à competitividade e à sustentabilidade econômica do setor.
Atualmente, diversos produtos lácteos, incluindo leite, diferentes tipos de queijos, bebidas lácteas, compostos lácteos, leite fermentado, soro de leite e manteiga, são tributados à alíquota zero de PIS/Pasep e COFINS. Com a reforma tributária, produtos como compostos lácteos, bebidas lácteas e leite fermentado passarão a ser tributados pela CBS/IBS, com uma redução de 60% da alíquota padrão.
O soro de leite fluído, por outro lado, deixará de contar com a alíquota zero e será integralmente tributado, o que representa um aumento significativo na carga tributária para esse item.
Em relação ao crédito presumido do leite, atualmente é permitido que as cooperativas e indústrias apropriem créditos mediante a aplicação de alíquotas específicas sobre a aquisição de leite in natura, nos casos determinados pela legislação e conforme estabelecido pelo art. 8º da Lei nº 10.925/2004.
O programa Mais Leite Saudável, agrega incentivos adicionais, posto que os habilitados no programa apropriam os créditos presumidos do leite com base em 50% das alíquotas básicas do PIS/Pasep e COFINS, enquanto os não habilitados no programa podem apropriar os créditos a 20% das mesmas alíquotas.
O texto da reforma tributária prevê a possibilidade de apuração de créditos presumidos nas aquisições de bens e serviços, incluindo aqui o leite in natura, quando oriundo de produtores rurais não contribuintes, com mudanças nas alíquotas e na forma de apropriação do crédito.
O PLP 68/2024 estabelece que essas alíquotas serão calculadas com base na proporção entre os valores de IBS e CBS incidentes sobre o total das vendas para produtores rurais e produtores rurais integrados que não sejam contribuintes do IBS/CBS, em relação ao valor total das aquisições feitas junto a eles, além disso é previsto que o percentual estabelecido para o crédito presumidos do IBS e da CBS serão definidos e divulgados até o mês de setembro de cada ano.
No momento, ainda não há regulamentação específica que detalhe os percentuais de créditos presumidos passíveis de apropriação.
Ademais, ao examinar o panorama geral das possibilidades de apropriação de créditos decorrentes da aquisição de leite in natura de produtores rurais, é fundamental considerar que o tipo do crédito e as alíquotas dependerão do enquadramento do produtor rural quanto a ser ou não contribuinte dos novos tributos e do regime tributário adotado pela cooperativa ou entidade responsável pela compra desse insumo.
Em relação ao produtor rural, o PLP 68/2024 define como contribuinte obrigatório do regime regular o produtor rural que obtiver receita anual igual ou superior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), valor que será atualizado anualmente com base na variação do IPCA. Observa-se que existe a possibilidade do produtor rural ou produtor rural integrado poder optar por se tornar contribuinte a qualquer tempo.
Quanto aos regimes especiais, a sociedade cooperativa poderá escolher entre permanecer no regime regular ou adotar o regime específico de sociedade cooperativa que, conforme consta no art. 270º do PLP 68/2024, apresenta particularidades nas operações de compra e venda com associados, conforme se detalhará a seguir:
Aquisições de não contribuintes – cooperados e terceiros
Nas aquisições de leite in natura de produtores rurais não contribuintes, independentemente da cooperativa optar pelo regime específico ou não, as cooperativas poderão aproveitar créditos presumidos, desde que tais valores sejam efetivamente pagos ao fornecedor, ou seja, ao produtor rural não contribuinte (PLP 68/2024, art. 121, §, II).
Em outras palavras, caso o PLP 68/2024 seja aprovado com o texto atual, lembrando que ele ainda tramita nas casas legislativas, os créditos presumidos vinculados às aquisições de produtores não contribuintes poderão ser apropriados depois do valor do respectivo crédito presumido ser efetivamente pago ao produtor rural não contribuinte.
Aquisições de produtor rural contribuinte não cooperado
Na aquisição de leite in natura de produtor rural contribuinte não cooperado, a operação de aquisição sofre tributação correspondente a 60% das alíquotas básicas de IBS e CBS, independentemente de a cooperativa adotar o regime regular ou específico.
Aquisições de produtor rural contribuinte cooperado
Por outro lado, o PLP 68/2024 estabelece que, quando a cooperativa optar pelo regime específico, as operações em que os associados fornecerem bens ou serviços à cooperativa terão alíquotas de IBS e CBS reduzidas a zero. Dessa forma, a aquisição de leite in natura de produtores rurais contribuintes associados contará com tributação reduzida a zero. Observa-se que a referida redução de alíquotas somente se aplica se a cooperativa optar pelo regime específico.
Em resumo, diante desse pequeno contexto de variáveis, onde não foram explorados outros fatores relevantes vinculados as demais operações corriqueiras das cooperativas, fica claro que a reforma tributária traz cenários complexos e variados que exigem uma análise aprofundada, especialmente para o setor lácteo.
A escolha do regime mais vantajoso dependerá das especificidades de cada cooperativa ou empresa, sendo fundamental avaliar cuidadosamente cada opção para maximizar benefícios e evitar ônus excessivo. Ademais, o novo modelo tributário exigirá adaptações estratégicas e operacionais das cooperativas e indústrias lácteas, para que consigam se ajustar ao novo cenário com eficiência, garantindo a competitividade e a sustentabilidade econômica do setor.
Thainara de Mello
Consultora Tributária – Dickel Consultores Associados


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