REFORMA TRIBUTÁRIA: MUDANÇAS E DESAFIOS DO SETOR ELÉTRICO
O setor elétrico brasileiro desempenha um papel essencial no desenvolvimento social e econômico do país, sendo a energia elétrica vital para que todos os demais setores da economia possam operar. Tamanha magnitude e relevância também acabou por transformar o setor em um complexo emaranhado de normas e legislações, interpretadas de diferentes formas a depender da ótica dos julgamentos.
O sistema é composto por quatro segmentos principais: empresas geradoras de energia, empresas de transmissão, de distribuição e finalmente as empresas autorizadas a comercializar a energia, todas regulamentadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
No atual sistema tributário, em se tratando de tributos indiretos, incidem sobre os valores da energia elétrica, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), e as contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Relativo ao ICMS, há diferenças de aplicação de alíquotas em relação a unidade federativa onde a operação está sendo efetuada, além da redução de alíquotas em função de condições do consumidor da energia (produtor rural, baixa renda, etc.), enquanto que para o PIS e a COFINS, deve ser observado o regime de tributação adotado pelo contribuinte, sendo aplicadas alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, para aqueles que devem apurar as contribuições pela sistemática cumulativa e 1,65% e 7,6% para os contribuintes enquadradas no regime de apuração não cumulativa.
A Reforma Tributária, regulamentada através da Lei Complementar nº 214/2025, institui dois novos tributos, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência estadual e municipal e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência Federal, popularmente conhecidos com IVA-DUAL, trazendo uma reformulação completa na forma de calcular tributos sobre o consumo.
Para o setor elétrico parte-se da premissa de que as mudanças representam uma simplificação significativa quanto a aplicação das normas, haja vista que haverá incidência sobre o mesmo fato gerador e compartilhamento das mesmas diretrizes, tanto para o IBS quanto para a CBS.
Além do IBS e CBS, também foi criado o Imposto Seletivo, que incidirá sobre os bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o qual, por disposições constitucionais, não incidirá sobre as operações com energia elétrica.
O artigo 11 da Lei Complementar nº 214/2025 disciplina que nas operações com energia elétrica, o local de operação será onde ocorrer a entrega ou disponibilização, nas operações destinadas a consumo, assim como será o local do estabelecimento principal do adquirente quando se tratar de fornecimento de serviço de transmissão e demais operações.
O recolhimento dos tributos dependerá do contribuinte que estiver praticando a operação e ocorrerá somente no fornecimento para consumo ou para contribuinte não sujeito ao regime regular do IBS e CBS.
Se o recolhimento dos tributos ocorrer apenas na última etapa da cadeia, ou seja, quando estiver fornecendo energia para o efetivo consumo, se tem um diferimento dos tributos na cadeia intermediária.
E importante atentar-se ao fato de que o diferimento citado é apenas do débito na operação de fornecimento de energia, não tendo ligação alguma com a possibilidade de apropriação dos créditos das operações anteriores, incidentes sobre insumos, investimentos e demais aquisições de bens ou serviços.
Para fins de composição de base de cálculo do IBS e CBS, deverão ser considerados, o valor total da operação, que compreende o valor integral cobrado pelo fornecedor, acrescido de ajustes de valor da operação, juros, multas e encargos, descontos condicionais, além das de tarifas, onde estão enquadradas a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), que são objetos de constantes entraves judiciais, quanto a composição da base de cálculo dos impostos atuais.
Será permitido excluir da base de cálculo do IBS e CBS, a quantidade correspondente de energia injetada na rede de distribuição, contanto que tais consumidores sejam participantes do Sistema de Compensação de Energia Elétrica e essa energia seja produzida por mini e microgeração, obedecendo os limites de potência estabelecidos pela lei.
Em se tratando de benefícios, uma grande conquista para o setor da Infraestrutura foi a manutenção e ampliação de benefícios do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI, pois além de permanecer vigente no novo sistema tributário, foi aprimorado com a abrangência tanto para IBS quanto para CBS. Na conjuntura atual, há suspensão do recolhimento apenas das contribuições para o PIS e para a COFINS nas aquisições de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, incidindo o ICMS em sua totalidade.
A alteração relativa ao benefício do REIDI pode promover, inicialmente, uma redução na carga tributária no CAPEX inicial do projeto, tendo em vista que, o valor que antes era destinado ao pagamento de tributos poderá ser investido no ativo imobilizado. Entretanto, cabe alertar que apesar da redução da carga tributária citada, serão necessários estudos mais amplos de viabilização dos negócios, pois todos os setores serão atingidos pela reforma tributária, o que implica dizer que existe também a possibilidade de equipamentos e outros gastos vinculados, inclusive de manutenção, ficarem mais caros no momento da aquisição.
Em contrapartida, existe a possibilidade de recuperar os novos tributos incidentes sobre aquisição através de apuração de créditos, que poderão, a depender do contexto, ser ressarcidos, fator que pode, em última análise, refletir em redução de custos.
Além das implicações para o setor produtivo, é relevante destacar medidas que visam diretamente os consumidores, especialmente aqueles de menor poder aquisitivo. Nesse sentido e no intuito de reduzir desigualdades sociais e econômicas, foi criada a sistemática de devolução de parte dos impostos pagos por famílias de baixa renda chamada CASHBACK, ajudando a aliviar o impacto da tributação sobre o consumo.
As disposições trazidas pela Lei Complementar nº 214/2025 incluem a energia elétrica na lista de itens que dão direito a devolução de tributos, e propõe que os percentuais sejam de 100% para CBS e de 20% para IBS, podendo esses percentuais serem alterados por lei específica, além de indicar que o momento da devolução ocorrerá, preferencialmente, no momento da cobrança.
O termo utilizado pelo legislador para o “momento da cobrança” é superficial e não define o exato evento para a devolução, ou seja, não está claro se seria na emissão da fatura de energia ou no momento da liquidação financeira da fatura. De todo modo, acredita-se que será criada uma sistemática de abatimento de valores no momento da emissão da fatura da energia, ou seja, do débito da fatura atual poderão ser descontados os créditos habilitados e vinculados ao cadastro do consumidor.
O que muda para as Sociedades Cooperativas de Infraestrutura com o Regime Específico?
As sociedades cooperativas poderão, opcionalmente, adotar o regime específico de tributação no qual se permite reduzir a zero as alíquotas de IBS e CBS nas operações de distribuição de energia elétrica para cooperado sujeito ao regime regular do IBS e CBS, ou seja, para o cooperado contribuinte. No caso de fornecimento de energia elétrica para cooperado não contribuinte, haverá tributação de IBS e CBS.
Observa-se que a tributação à alíquota zero no fornecimento de energia elétrica a cooperado contribuinte não implica em anulação de créditos do fornecedor, entretanto, por consequência, não gera créditos ao adquirente.
A opção da escolha pelo regime específico das cooperativas ou regime regular do IBS e CBS deverá ser feita no ano-calendário anterior ao início dos efeitos e deverá ser exercida durante todo o ano-calendário seguinte. Dada a necessidade de escolher entre o regime geral ou específico, a cooperativa precisa de informações concretas relativas aos impactos que sofrerá praticando seus atos com cooperados e não cooperados ou ainda, fornecendo energia elétrica a cooperados contribuintes e não contribuintes, considerando que haverá tributação efetiva quando do fornecimento de bens e serviços para cooperados não sujeitos ao regime regular do IBS e CBS.
Diante do exposto, se observa que não mais existirão as atuais possibilidades de exclusões de base de cálculo nas operações com cooperados, previstas na legislação das contribuições para o PIS e para a COFINS, assim como, que não há mais segregação de contribuintes em regimes de apuração cumulativa e não cumulativa.
A reforma tributária no setor elétrico traz consigo uma combinação de desafios e oportunidades. Por um lado, aspectos positivos como a não incidência ou do diferimento do IBS e CBS e possibilidade de acúmulo de créditos no meio da cadeia e a ampliação do REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) podem impulsionar a eficiência fiscal, desonerar processos e fomentar investimentos no setor.
Por outro lado, é importante considerar os impactos adversos como a possível necessidade de maior desembolso financeiro relacionado a operações de aquisição de bens e serviços, com riscos à liquidez e ao fluxo de caixa, a adaptação e parametrização de sistemas para inclusão de novos tributos, além do controle rigoroso para identificar o enquadramento do cooperado quanto a contribuinte ou não dos novos tributos, fatores que podem representar barreiras operacionais e financeiras significativas. Esses desafios reforçam a importância de um planejamento estratégico eficiente e de uma transição cuidadosa para mitigar riscos e maximizar os benefícios da reforma.
Por Marcos Junior Pratti


Comments are closed.