A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa um marco relevante na evolução do sistema tributário brasileiro. Entre os segmentos diretamente impactados pela nova legislação, destaca-se o de serviços de transporte, setor estratégico para a logística nacional e internacional, especialmente no que concerne à apropriação de créditos tributários.
Dentre as alterações promovidas, merece especial atenção a redefinição do local de ocorrência do fato gerador. Sob a sistemática atualmente vigente do PIS, da COFINS, do ISS e do ICMS, a incidência tributária ocorre, em regra, no local de início da prestação do serviço, seja no transporte de cargas ou no transporte de passageiros. Com a implementação do IBS e da CBS, a regra passará a observar os seguintes critérios:
- Transporte de cargas: a incidência ocorrerá no local de destino da mercadoria, correspondente ao ponto de efetiva entrega, e
- Transporte de passageiros: considera-se o ponto de partida como local de incidência.
Essa alteração repercute de forma significativa na apuração dos novos tributos, em especial referente ao IBS, uma vez que, com a reforma, devem ser observadas as alíquotas definidas por cada município e estado de destino dos produtos transportados, no caso do transporte de cargas. Nesse contexto, tanto as empresas contratantes quanto as prestadoras de serviços de transporte deverão promover adequações operacionais e fiscais, a fim de assegurar conformidade com as novas regras de recolhimento.
A seguir apresentam-se considerações relacionadas a algumas modalidades específicas de Serviço de Transporte:
Exportação e Serviços de Transporte: Imunidade e Créditos
Nas operações de exportação, seja de produtos ou de serviços, a Lei Complementar nº 214/2025 assegura a imunidade do IBS e da CBS sobre o serviço de transporte de cargas, desde que vinculados direta e exclusivamente à exportação de bens materiais ou associados à entrega de bens materiais no exterior. Ademais, a norma garante o direito à manutenção e à apropriação dos créditos vinculados à aquisição de bens e serviços empregados na cadeia exportadora, abrangendo, inclusive, os vinculados aos serviços de transporte de cargas, desde que observados os requisitos e restrições previstos na legislação.
No tocante às exportações indiretas, realizadas por intermédio de empresas comerciais exportadoras, o tratamento tributário dos serviços de transporte apresenta pontos controversos. As mercadorias comercializadas com fim específico de exportação estão amparadas pela suspensão, nos termos do art. 82 da Lei Complementar nº 214/2025. Em relação aos fretes, a legislação não estabelece, de forma expressa, se tais serviços se beneficiam da imunidade aplicável às exportações diretas ou se devem ser integralmente tributados. A ausência de previsão específica para o transporte nessas operações contrasta com o tratamento dado à exportação de bens materiais, para a qual há previsão expressa de suspensão do IBS e da CBS. O desfecho deste cenário deve ser observado quando da publicação da regulamentação da Lei Complementar.
Fretes Prestados por Empresas do Simples Nacional: Limites ao Crédito
Nos casos de contratação de serviço de transporte realizado por transportadora optante pelo Simples Nacional, a legislação determina que o contratante poderá apropriar crédito apenas sobre o valor do IBS e da CBS efetivamente recolhidos, conforme os percentuais do regime simplificado. Nessa hipótese o optante pelo simples nacional não poderá apropriar créditos de CBS e IBS referente aos valores desses tributos pagos na cadeia.
No entanto, a legislação faculta a essas empresas a opção pelo regime regular de apuração, hipótese em que será admitido o aproveitamento integral dos créditos de IBS e CBS, tanto em relação às suas próprias aquisições quanto por parte do contratante do serviço de transporte, calculados com base nas alíquotas do regime regular.
Créditos Presumidos nas Aquisições de Transportador Autônomo
A nova legislação de IBS e CBS preserva o mecanismo do crédito presumido para a aquisição de serviços de transporte de carga prestados por transportadores autônomos pessoa física. As alíquotas para o cálculo desse crédito serão estabelecidas e divulgadas anualmente, até setembro, por ato conjunto do Ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS. Este benefício fiscal é essencial para garantir a neutralidade tributária, visto que o transportador autônomo não se enquadra como contribuinte do imposto.
É fundamental, contudo, destacar uma ressalva: o direito ao crédito presumido é vedado quando a despesa de transporte é incorporada ao valor da mercadoria em operações em que o valor do frete é suportado como parte do valor da operação, ainda que especificado em separado nos documentos relativos à aquisição.
Nesse cenário, o tomador não se apropria do crédito presumido, pois a operação de transporte, para fins de creditamento, perde seu tratamento autônomo e segue o regime fiscal da operação principal de aquisição do bem.
Adicionalmente, cumpre ressaltar que, nessa hipótese, não se admite o ressarcimento do crédito presumido eventualmente apurado. Os valores poderão ser aproveitados exclusivamente para fins de compensação com débitos próprios de IBS e CBS.
Transporte coletivo de passageiros
O tratamento fiscal dos serviços públicos de transporte coletivo de passageiros, prestados por permissionárias ou concessionárias, é um dos pontos específicos da nova legislação. Nesses casos, a lei prevê a isenção do IBS e da CBS para as modalidades de transporte rodoviário e metroviário urbano, semiurbano e metropolitano. Por outro lado, para os serviços de transporte ferroviário e hidroviário urbano, semiurbano e metropolitano, há uma previsão de redução de alíquota em 100%, o que, na prática, também configura uma isenção.
Em contrapartida, para os serviços de transporte coletivo de passageiros nas modalidades rodoviário, ferroviário e hidroviário intermunicipais e interestaduais, a legislação estabelece um regime diferenciado. Nestas operações, as alíquotas do IBS e da CBS serão reduzidas em 40% sobre o valor da prestação. Diferentemente dos casos de isenção, este regime de alíquota reduzida permite a apropriação e utilização de créditos ao adquirente do serviço de transporte, conforme as regras gerais de creditamento, preservando o princípio da não cumulatividade.
Nessas condições, quando as empresas assumirem a contratação de transporte coletivo destinado a seus empregados, será admitido o aproveitamento de créditos de IBS e CBS, em conformidade com as regras gerais de não cumulatividade. No tocante ao fornecimento de vale-transporte, merece especial atenção o artigo 57 da Lei Complementar nº 214/2025, que assegura ao empregador o direito de apropriar créditos relativos à aquisição desses serviços, limitados ao montante equivalente aos débitos apurados pelo respectivo prestador.
Cooperativas de Transporte – Tributação e apuração de créditos
As cooperativas de transporte, tanto de cargas quanto de passageiros, diante dos regramentos detalhados na legislação vinculada a reforma tributário do consumo podem optar pela adoção de regime específico de IBS e CBS. Tal opção permite que as operações de fornecimento de bens ou serviços dos cooperados para a cooperativa e fornecimentos da cooperativa para os cooperados sejam tributados à alíquota zero dos novos tributos.
Entretanto, cabe ressaltar que esta possibilidade de tributação a alíquota zero não contempla os serviços de transporte realizados ou contratados por outros entes econômicos, sejam estes contribuintes ou não de IBS e CBS, de modo que, tais operações são tributadas mediante a aplicação das alíquotas que serão definidas pela união, estados e municípios e os contratante, caso sejam contribuintes na nova sistemática de tributação, podem habilitar os créditos vinculados a operação.
Atenção às novas diretrizes
Nesse sentido, a Reforma Tributária inaugura um novo paradigma na tributação dos serviços de transporte, com repercussões significativas na apropriação de créditos. As novas regras sobre local de incidência, bem como as limitações e os mecanismos de crédito para prestadores do Simples Nacional e transportadores autônomos, compõem um cenário que demanda uma atenção estratégica e detalhada dos contribuintes. A transição, portanto, transcende a esfera do conhecimento legislativo, exigindo uma análise de impactos e adequação operacional que abrange o ajuste de sistemas, a revisão de contratos e a capacitação das equipes. Somente por meio dessa preparação minuciosa será possível assegurar o pleno aproveitamento dos créditos de IBS e CBS, garantindo a competitividade, a eficiência fiscal e a plena conformidade com a nova e complexa legislação.
Por
Thainara de Mello


Comments are closed.