Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR): Uma ferramenta de estímulo do desenvolvimento econômico e social diante das mudanças promovidas pela Reforma Tributária
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) emerge como um instrumento financeiro de relevância estratégica no cenário brasileiro, instituído pelo Art. 159-A da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional nº 132, de 2023. Esta Emenda Constitucional, que formaliza a Reforma Tributária, estabelece o FNDR com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais no Brasil.
Com a Reforma Tributária, a partir de 2033 os Estados deixam de conceder incentivos fiscais que antes eram utilizados para atrair empresas e estimular o desenvolvimento em determinadas regiões. Isso ocorreu porque a forma de arrecadação dos tributos foi alterada: no modelo de IVA dual, os impostos serão recolhidos no local onde o bem ou serviço serão consumidos, e não mais onde são produzidos.
Nesse contexto, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional representa um dos instrumentos complementares dessa transformação, com o objetivo de mitigar os impactos da nova sistemática de arrecadação e promover um desenvolvimento mais equilibrado entre as diferentes regiões do país. Por meio desse fundo, a União repassa recursos aos Estados e ao Distrito Federal para financiar projetos que impulsionem o crescimento econômico e a melhoria da infraestrutura em áreas que mais necessitam de atenção e investimento.
Áreas de Atuação e Aplicação dos Recursos
Os recursos do FNDR são alocados para finalidades específicas e estratégicas, delineadas para maximizar o desenvolvimento regional:
- Infraestrutura: Abrange a realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura, essenciais para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer região.
- Fomento a Atividades Produtivas: Destina-se ao fomento de atividades produtivas que apresentem elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras.
- Ciência, Tecnologia e Inovação: Promove ações voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação, pilares para a competitividade e o avanço de uma região.
A legislação ainda não estabelece de forma expressa como os recursos do fundo serão distribuídos. Em especial, não há definição sobre a destinação dos recursos para o fomento de atividades produtivas, com foco na geração de emprego e renda, que inclui a concessão de subvenções econômicas e financeiras. Em razão disso, permanece indefinido se pessoas jurídicas ou produtores rurais poderão apresentar projetos e se terão direito ao recebimento desses recursos. Além disso, não está claro como se dará o acesso ao fundo, se será por meio de programas gerenciados pelo governo, se haverá exigência de inscrição prévia das empresas interessadas, ou quais critérios serão adotados para seleção e aprovação dos projetos e contrapartidas. Diante desse cenário, é imprescindível que tenha uma regulamentação específica para detalhar os procedimentos, requisitos e mecanismos de operacionalização do fundo.
É imperativo que, na aplicação desses recursos, os Estados e o Distrito Federal priorizem projetos que contemplem ações de sustentabilidade ambiental e a redução das emissões de carbono. Adicionalmente, devem considerar os objetivos de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, buscando estimular a instalação de empresas e o desenvolvimento da atividade econômica nesses locais. A decisão quanto à aplicação específica dos recursos dentro dessas diretrizes cabe aos próprios Estados e ao Distrito Federal.
Considerando que projetos voltados à sustentabilidade ambiental e à redução de emissões de carbono deverão ser priorizados pelo FNDR, é possível vislumbrar, como hipótese, a destinação de recursos para iniciativas relacionadas ao mercado de carbono.
A recente Lei nº 15.042/24, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), excluiu a produção agropecuária primária da regulação direta, reconhecendo a dificuldade do setor em medir e monitorar as emissões do carbono, ao contrário de segmentos como a energia, que possuem métricas mais consolidadas.
No entanto, empresas do agronegócio que desenvolvam projetos capazes de medir as emissões e comprovar suas reduções podem participar do mercado voluntário de carbono e obter benefícios financeiros. Caso futuramente o FNDR venha a apoiar esse tipo de iniciativa, isso poderia estimular o desenvolvimento de tecnologias e metodologias que facilitem a medição das emissões, ampliando a inclusão do setor agropecuário nesse mercado e transformando a sustentabilidade em uma nova fonte de receita e competitividade. Ressalta-se, contudo, que tanto a legislação do fundo quanto a do mercado de carbono devem evoluir e amadurecer.
Mecanismo de Financiamento e Cronograma
O financiamento do FNDR será realizado por aportes anuais e crescentes da União. O primeiro aporte está programado para 2029, no valor de R$ 8 bilhões. Os valores subsequentes seguirão uma progressão estabelecida, atingindo R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043. Todos esses montantes serão atualizados anualmente pela variação acumulada do IPCA (ou índice que o substitua).
Importante salientar que, diferentemente de outros fundos, o FNDR não possui uma data de encerramento, prevendo a continuidade de sua atuação. Além disso, a partir de julho de 2033, ele também receberá o saldo remanescente do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais (aquele que exceder o provisionamento em 31 de dezembro de 2032), transferido em 120 parcelas mensais.
Esse Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais tem como objetivo compensar pessoas físicas e jurídicas que serão impactadas pela extinção dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, funcionando como uma medida de transição e mitigação dos efeitos econômicos decorrentes dessa mudança.
Critérios de Distribuição dos Recursos
A distribuição dos recursos do FNDR aos Estados e ao Distrito Federal será realizada com base em “coeficientes individuais de participação”. Estes coeficientes serão calculados considerando dois indicadores principais e seus respectivos pesos:
- População do Estado ou do Distrito Federal, com peso de 30%.
- Coeficiente individual de participação do Estado ou do Distrito Federal nos recursos destinados ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, conforme o art. 159, I, “a”, da Constituição Federal, com peso de 70%.
O Tribunal de Contas da União (TCU) será o órgão responsável por regulamentar e calcular esses coeficientes. A Constituição Federal veda a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego desses recursos, embora existam exceções que permitem condicionar a entrega ao pagamento de dívidas que Estados, o Distrito Federal e os Municípios tenham com a União, ou que os Municípios tenham com os Estados, e ao cumprimento de metas relacionadas à área da saúde.
Análise de Pontos Positivos
- Promoção do Desenvolvimento Regional: O FNDR visa atuar como um catalisador para o desenvolvimento, ao direcionar recursos especificamente para áreas que necessitam de recuperação e fomento econômico, contribuindo para um crescimento mais equilibrado em todo o território nacional.
- Continuidade e Planejamento a Longo Prazo: A ausência de data de encerramento e o cronograma crescente de aportes remetem a um fluxo contínuo de recursos para o desenvolvimento regional, permitindo um planejamento e execução de projetos de longo prazo, mesmo após o período de transição de outras políticas.
Análise de Ponto de Atenção
- Estados que atualmente oferecem muitos benefícios fiscais para atrair empresas, como Mato Grosso do Sul e Amazonas, podem enfrentar maiores dificuldades com a regra de distribuição dos recursos. Isso acontece porque o valor que será repassado pelo fundo pode não ser suficiente para equilibrar as perdas causadas pela extinção dos incentivos.
Assim, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, representa uma iniciativa estratégica e estruturante que visa garantir um fluxo crescente e contínuo de recursos federais para projetos de infraestrutura, fomento produtivo e avanço científico-tecnológico, com um enfoque explícito na sustentabilidade ambiental e na reabilitação urbana.
Sua concepção de longo prazo e a ausência de data de encerramento refletem um compromisso de alocação de recursos entre todas as regiões, marcando um avanço na política de desenvolvimento regional brasileira.
Entretanto, é necessário reconhecer os desafios e limitações do modelo adotado. A distribuição proporcional, embora justa sob a ótica da equidade, pode não contemplar adequadamente as especificidades econômicas e geográficas de cada estado.
Em síntese, o FNDR representa um instrumento promissor para a promoção do desenvolvimento regional sustentável no Brasil. Contudo, sua eficácia dependerá da capacidade de calibrar os critérios de distribuição com sensibilidade às realidades locais, garantindo que nenhum estado fique à margem do processo de transformação que o fundo pretende impulsionar.
Por
Marina de Paula Marcelino
Consultora Tributária – Dickel Consultores Associados
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